sábado, 13 de outubro de 2012

Solidoso




Ser solidoso vem do céu.
É nascer irmão da chuva.
Cada pingo é muito mais que uma tristeza:

É estilhaço na vidraça da saudade;
É a nostalgia desbotada duma imagem;
É veste velha lá na beira de uma estrada;
É a folha de uma arbórea saudade;

É passeio sem mãos dadas numa praça;
É calendário ainda não feito, é vontade.

sábado, 7 de julho de 2012

Ponta de choro


Ponta de choro
Lagrima é
Feita de ouro
Pó de café

Que vida amarga
É a que planto
Feita de açúcar
Parece entanto

Ponta de choro
Não me liberta
Me traga soro
E uma coberta

Pois esta mágoa
De homem almado
Faz de uma estátua
Um bando armado

Ponta de choro
Enganadora
Bate no couro
E é matadora
 
Morto sei estou
E o leito chora
O que restou
Pois fui embora

Ponta de choro
No frio restou
Da fome corro
Mas dela sou

Em homem pobre
Sem alma pouca
É que está nobre
Loucura rouca

Ponta de choro
Deserda o mundo
Tira meu sopro
Sem nem assunto

No alto do morro
Deste emblema
Ponta de choro
Cai sem problema

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Sobre folhas e borboletas



Certo que dizem ser justo ou injusto o mundo, e que tudo depende das lentes que vêem, começo a falar. Sejam paredes, sejam moradores delas, prestem atenção quando caminham no noturno numa rua deserta, sem ninguém. Vede em cada esquina as lojas. Olhai as luzes – acesas – atraindo uma borboleta que voou para uma luz que vaza numa porta de vidro, e perceba que já não tenhais os pés no chão.
Pairai no medo, reflitai no desespero de já não ter do dia o perdão e buscar incessante e desumanamente a tal luz que tanto despendeis energia para fazer uma sombra maior e deixar sem luz parte do pó do chão - do seu chão. Em que é o pó diferente do homem afinal? Digo que há. Digo que o pó, pelo menos, não é egoísta, é companheiro e abraça aqueles que por ele passam.
Pensai na noite agradável, em sua rua interior, esta que estás agora... Se amas a grama e os jardins que perto dela estão, por que vós os feris e decepais? Sei que é para que vos sejam belos aos vossos olhos, e não vos desagrade vossa expectativa e tenham sempre os mesmos desenhos. A grama é parte do mundo, é maior que a rua, e se crescer abraçará o transeunte que permitir assim. Quando a cortais, fazeis as verdes mudinhas gemerem de dor.
Voltais cada um, em vossa mente, à forma de borboleta. Cai o dia, chuva fina, sol laranja, nasce róseo e triste. Após refletir e desistir da porta e das formas da lâmpada,  lembrem então que há um sol – grande, distante e visível. Refleti-vos no rio, ou na poça. Assim fazei, todavia atentai-vos para os perigos. Não molhem vossas asinhas nem vos entregais ao pássaro. Se ele vier, lutem, vão dignamente embora. Ele é fatal.
Se houver mais tempo, antes das aves, voe. Viajem, pairem. Mas, dessa vez, seja livre pra escolher como. Acheguai-vos a uma torneira aberta. Pequenina água, que a vós pode sempre molhar, saciar, ou até mesmo envergonhar. Mais vos parece hoje uma cachoeira, que reflete o que vós sois em suas partes calmas.
Que venha a tardinha, e aves em bando voando. Que acabe o dia, e comece a noite. Mas não antes de cair uma garoa que desenhe e rabisque o por do sol. Não antes de o tempo deixar de existir e a morte não mais vos amedrontar. Nem que seja o tempo do cair de uma folha ao chão.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Rua sem Luz



Suor do rosto
Que andou ligeiro
Choro do corpo
Fugiu primeiro
Por esta rua
Bela, sonora e escura
Se nela anda
Não quer que acabe

São os faróis
Que já não cegam
Tão amarelos, e já tão velhos
Que orientam, desorientam

Iluminando
Lembranças velhas
De luz ou trevas, sombras e luz

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Céu Azul


Azul sem luz que escorre a luz do céu
Escorrem dele as mágoas
Vejo nele os prantos
Sob ele, lá perto das torres
Jazem sem ninho, pássaros que choram
Que são gotas de cantos coloridos rejeitados
Pelo céu azul, do céu azul triste
Pelo claro azul, que a chuva não lavou
Mas de tristeza, apenas o sujou

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Estar cortar e atar




Doces, certeiros bons assim
Agros, balançam com desfim
Desde, caminhar brando alçar
Arte, bonito céu despar

halo, guardado foi então
extras, fenecem giz hurrão   
hera, galhada fez expor
era, falhado grande horror

medo, lamina justa indez
ira, jusante lã mudez
mecha,lirante jaz ipê
isso, jardina lá clichê

quando, pescava outro necrar
numa, outrora por quebrar
quimo, partilha-o nutriz
noutro, outeiro pôs quivis

urna, tisnada sim restou
runa, soslaia tão usou
una, trepidou se rompeu
rude, tremida sorte urzeu


vedes, xicradas xô zarcão
zurza, xalados vês virão
vida, xucrinha zás zainão

quinta-feira, 29 de março de 2012

Lápis de Àgua




Riscando as pedras
Manchas de mágoas
Descem das serras,
Caem nas tábuas
Que estão nas matas
Tão encharcadas
E serão cartas
Bem ensaiadas
Que de entre as linhas
Saem descalças
Pois sei não tinhas
Solas não falsas
Pros pés das grafas
Com fracas pautas
Falando bafas
Puras e altas
Por vezes tantas
Largaram marcas
Nos pés de plantas
Temendo as parcas.