Certo que dizem ser justo ou injusto o mundo, e que tudo
depende das lentes que vêem, começo a falar. Sejam paredes, sejam moradores
delas, prestem atenção quando caminham no noturno numa rua deserta, sem
ninguém. Vede em cada esquina as lojas. Olhai as luzes – acesas – atraindo uma
borboleta que voou para uma luz que vaza numa porta de vidro, e perceba que já
não tenhais os pés no chão.
Pairai no medo, reflitai no desespero de já não ter do dia
o perdão e buscar incessante e desumanamente a tal luz que tanto despendeis
energia para fazer uma sombra maior e deixar sem luz parte do pó do chão - do
seu chão. Em que é o pó diferente do homem afinal? Digo que há. Digo que o pó,
pelo menos, não é egoísta, é companheiro e abraça aqueles que por ele passam.
Pensai na noite agradável, em sua rua interior, esta que
estás agora... Se amas a grama e os jardins que perto dela estão, por que vós
os feris e decepais? Sei que é para que vos sejam belos aos vossos olhos, e não
vos desagrade vossa expectativa e tenham sempre os mesmos desenhos. A grama é
parte do mundo, é maior que a rua, e se crescer abraçará o transeunte que
permitir assim. Quando a cortais, fazeis as verdes mudinhas gemerem de dor.
Voltais cada um, em vossa mente, à forma de borboleta. Cai
o dia, chuva fina, sol laranja, nasce róseo e triste. Após refletir e desistir
da porta e das formas da lâmpada, lembrem
então que há um sol – grande, distante e visível. Refleti-vos no rio, ou na
poça. Assim fazei, todavia atentai-vos para os perigos. Não molhem vossas
asinhas nem vos entregais ao pássaro. Se ele vier, lutem, vão dignamente embora.
Ele é fatal.
Se houver mais tempo, antes das aves, voe. Viajem, pairem. Mas,
dessa vez, seja livre pra escolher como. Acheguai-vos a uma torneira aberta.
Pequenina água, que a vós pode sempre molhar, saciar, ou até mesmo envergonhar.
Mais vos parece hoje uma cachoeira, que reflete o que vós sois em suas partes
calmas.
Que venha a tardinha, e aves em bando voando. Que acabe o
dia, e comece a noite. Mas não antes de cair uma garoa que desenhe e rabisque o
por do sol. Não antes de o tempo deixar de existir e a morte não mais vos
amedrontar. Nem que seja o tempo do cair de uma folha ao chão.